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Mamíferos do Cerrado – Distantes da Mata Atlântica e Amazônia

Os mamíferos da discórdia, este é o título da reportagem da Revista Pesquisa Fapesp edição 192 de Fevereiro deste ano, onde 3 cientistas brasileiros defendem a ideia de que 80% dos mamíferos do Cerrado não tiveram origem em ambientes como os biomas Mata Atlântica e Amazônia.
Cientistas do país debatem e discutem sobre a origem dos mamíferos do Cerrado, dizendo que os mesmos podem ter sido originados de ambientes abertos e não dos outros dois grandes biomas Mata Atlântica e Amazônia.
Cryptonanus sp: exemplo de mamíferos endêmicos do cerrado
© MARIA ELINA BICHUETTE
Há algumas décadas atrás, os estudos diziam que estes animais provinham das áreas de Mata Atlântica e Amazônia, onde compartilhavam animais com o Cerrado, dizendo ainda que até os animais exclusivos de áreas abertas existentes em mais nenhuma outra, e endêmicos do Cerrado e Caatinga, tinham origem de linhagens de animais de ambientes com matas.
“Conseguimos demonstrar que muitas das espécies endêmicas de áreas abertas do cerrado e da caatinga não se originaram, como as pessoas pensavam, de espécies irmãs das florestas vizinhas”, afirma Mario de Vivo, curador da seção de mamíferos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).
Esta pesquisa conseguiu provar o contrário, que cerca de 80% dos mamíferos do Cerrado se originaram  e tem suas raízes em regiões abertas com vegetação rasteira por todo continente sul-americano.
E a pesquisa vai mais além, no caso da Caatinga, o papel das áreas abertas como origem de espécies singulares de mamíferos é aparentemente menos palpável, mas não totalmente desprezível. No que é hoje o semiárido nordestino, houve uma floresta tropical há alguns milhares de anos. O dado explica por que as matas do passado, e as de hoje, parecem realmente ter sido mais importantes para o desenvolvimento das poucas espécies únicas de mamíferos da caatinga, bioma onde esse grupo de animais é menos diversificado que no cerrado. Ainda assim, os três autores do artigo dizem que é um exagero creditar às florestas toda a cota de endemismo da caatinga.
Para chegar a essas conclusões, o trio de pesquisadores fez uma grande revisão da literatura científica publicada sobre o tema e também foi a campo estudar alguns animais específicos do cerrado e da caatinga e sua distribuição geográfica. O resultado do trabalho gerou uma lista atualizada não só das espécies presentes exclusivamente nos dois biomas, mas de todos os seus mamíferos conhecidos. A biodiversidade encontrada foi maior do que se esperava.
De acordo com o trabalho, o cerrado, cujo território abrange cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados e abarca o pantanal, possui 227 espécies de mamíferos, 33 a mais do que encontrara o último inventário, de 2002. Com menos da metade da área e mais seca, a caatinga, segundo o novo estudo, conta com 153 espécies de mamíferos, 10 a mais do que elencara o levantamento anterior, de 2008.
© RAONE BELTRÃO MENDES
Morcego Xeronycteris vieirai: endêmico da caatinga
Os morcegos e os roedores são as duas ordens de mamíferos com maior número de espécies conhecidas em ambos os biomas. Os primeiros representam mais de um terço das espécies do cerrado e mais da metade das da caatinga. Os segundos respondem por outro terço das espécies do cerrado e um quarto das da caatinga. Em seguida, com um número bem menor de espécies, destacam-se os carnívoros e os marsupiais.
É interessante notar que 120 espécies de mamíferos estão presentes tanto na caatinga como no cerrado. “A maior parte dos mamíferos desses dois biomas é compartilhada entre si ou com a floresta amazônica, a mata atlântica ou o chaco”, afirma Ana Paula Carmignotto. 
“Essa questão sempre foi destacada em outros estudos e pouco se falava das espécies endêmicas.” Segundo Vivo, muitos trabalhos davam a entender que as áreas abertas da América do Sul não tinham gerado nada de original em termos de novas formas de mamíferos. Quase tudo visto era como uma ramificação de linhagens que evoluíram nas matas fechadas. 
A impressão, falsa segundo o trio de autores, talvez decorra da constatação de que o universo dos mamíferos exclusivos do Brasil Central é realmente pequeno e concentrado. Os pesquisadores contaram 25 espécies exclusivas do cerrado (21 de roedores, 2 de marsupias, 1 de primata e 1 de morcego) e 8 da caatinga (5 de roedores, 1 de primata, 1 de marsupial e 1 de morcego). Falar de endemismo de mamíferos no cerrado e na caatinga é, portanto, quase sinônimo de falar de roedores. A distribuição geográfica das espécies encontradas nos dois biomas e os estudos filogenéticos, que traçam seu possível parentesco e relação evolutiva com animais de outras regiões, levaram os biólogos a defender dois padrões de endemismo.
Cursos Online 24 Horas - Cursos 100% Online com CertificadoO primeiro compreende espécies de mamíferos hoje típicas do cerrado ou da caatinga que derivaram de gêneros originários da floresta amazônica ou da mata atlântica. Os exemplos clássicos podem ser encontrados sobretudo na ordem dos primatas. O Callithrix penicillata, popularmente denominado sagui-de-tufo-preto ou mico-estrela, é um macaco que vive somente no cerrado, mais precisamente em trechos arbóreos desse ecossistema. 
É a única das mais de 20 espécies do gênero Callithrix que habita uma zona de savana, fora da floresta equatorial ou da mata litorânea. O mesmo ocorre com o Callicebus barbarabrownae, o guigó-da-caatinga, espécie hoje ameaçada de extinção cuja origem deve ter sido a vizinha mata atlântica. Alguns roedores, marsupiais e morcegos (como o Lonchophylla dekeyseri) do cerrado e da caatinga também se encaixam nessa situação.
Veja mais detalhes desta reportagem: http://migre.me/bGOrg
AUTORES: Ana Paula Carmignotto, (UFSCar), Mario de Vivo (USP), e Alfredo Langguth (UFPB), num artigo que será um dos capítulos do livro Bones, clones, and biomes – The history and geography of recent neotropical mammals, a ser lançado em meados deste ano pela editora da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.

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Guellity Marcel
Guellity Marcel
Biólogo, mestre em ecologia e conservação, blogger e comunicador científico, amante da vida selvagem com grande interesse pelo empreendedorismo e soluções de problemas socioambientais.
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