Pesquisadores biólogos da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), estudando diferentes aspectos da partenogênese, concluíram que alterações em um gene conhecido como c-mos poderiam permitir a transformação das células reprodutoras femininas (óvulos) em embrião, mesmo sem um espermatozoide.
Estudando os teídeos (grupo que inclui os pequenos lagartos de 10cm até os teiús com 1,5m) Ricardo Santos pode perceber a mutação no gene c-mos em grupos com casos de partenogenese, enquanto realizava seu trabalho de doutorado. Em parceria com Andréa Balan do LNBio, em 2008, puderam modelar as formas das proteínas produzidas pelos genes c-mos nos lagartos e serpentes, e em conjuntos, onde puderam identificar mutações em 4 sítios ativos da proteína, o que causava a mutação.
O gene c-mos (sem mutação) bloqueia o final da divisão celular do óvulo até a chegada do espermatozóide, assim quando o mesmo fertiliza o óvulo, desativa a proteína, e a divisão celular termina formando o embrião. A hipótese de Ricardo e Andréa é de que quando o gene c-mos sofre alterações este não funciona corretamente fazendo com que o óvulo continue se dividindo mesmo sem o espermatozóide, e estes efeitos do c-mos atenuariam o bloqueio da divisão celular do óvulo provocando estímulos em hormônios fazendo a divisão celular retornar.
Este estudo está contribuindo de forma significante para a elucidação de um dos mecanismos da paternogênese. Ainda são poucos os conhecimentos acerca das espécies de lagartos capazes de reproduzirem de forma assexuada e muito menos se sabe como estas mantém esta habilidade. O mais aceito atualmente é que lagartos e serpentes partenogenéticos podem ser resultados da reprodução entre espécies próximas.
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Foto: Miguel Rodrigues
Leposoma percarinatum |
Uma das espécies partenogenética encontrada no Brasil é o Leposomo percarinatum que revela muito sobre este grande labirinto genético, já que foram reconhecidas desde 1952 como sendo partenogenética. Estes animais tem cerca de 5cm de comprimento e vivem entre folhas nas matas da Venezuela até o norte do Mato Grosso, dos Andes até o leste do Pará. Uma hipótese apresentada na década de 1970 sugeriu que esta espécie de lagarto seria resultado do cruzamento entre Leposoma guianense e L. parietale, encontradas em florestas úmidas da América do Sul.
Os pesquisadores Katia Pellegrino (Unifesp) e Miguel Rodrigues (USP) observaram que fêmeas de L. pecarinatum eram iguais por fora, porém completamente diferentes geneticamente, pois algumas fêmeas eram diplóides, ou seja, possuíam 44 cromossomos (dois conjuntos iguais de 22 cromossomos) em cada célula, enquanto as triplóides tinham 66 cromossomos (3 conjuntos de 22).
“Dentro do que se supunha ser uma mesma espécie existem duas linhagens diferentes, que nos permitirão reconstruir sua história e seus mecanismos de origem”, Katia concluiu. Para ela, a variedade triploide deve ter surgido de outro evento de hibridização entre a forma diploide de L. percarinatum e L. osvaldoi, já que L. guianense não ocorre tão ao sul do país.
Porém Ricardo Santos pôde ainda observar que o calango da restinga (Cnemidophorus nativo) uma das poucas espécies exclusivamente partenogenéticas de lagartos do país, ameaçada de extinção, é apenas diplóide, de acordo com suas análises. Espécie esta que é encontrada no Espírito Santo e ao Sul da Bahia, chegando aos 30 cm de comprimento. Santos ainda diz que outras espécies partenogenéticas que vivem na Amazônia como Cnemidophorus lemniscatus e Gymnophthalmus underwoodi parecem mesclar populações diplóides e triplóides.
Resumindo este estudo, cerca das mais de 5.000 espécies de lagartos conhecidas, 40 apresentam partenogênese, o que resulta numa menor variabilidade genética, já que os novos indivíduos das populações herdam praticamente as mesmas características das mães.
O que está em discussão é que a reprodução sexuada (macho x fêmea) pode ser benéfica em ambientes em transformação, com doenças e parasitos, enquanto em um ambiente estável pode ser maléfica, já que a variabilidade genética pode gerar indivíduos diferentes mal adaptados ao ambiente. E ainda defendem que “em ambientes estáveis, a reprodução clonal, como se faz com animais de criação e plantas, resultando em filhotes com rendimento ótimo, é a mais indicada.”