Quando seu cérebro para de funcionar – completa e irreversivelmente – você está morto. Mas traçar a linha entre a vida e a morte cerebral nem sempre é fácil. Um novo estudo tenta esclarecer essa distinção, talvez ajudando a aliviar a angústia de familiares com um ente querido cujo cérebro morreu, mas cujo coração ainda bate.
A morte encefálica é um conceito reconhecido na medicina há décadas. Mas há muitas variações em como as pessoas o definem, diz Gene Sung, médico neurocientista da University of Southern California, em Los Angeles. “Mostrar que há algum consenso mundial, compreensão e acordo neste momento, pode ajudar a minimizar mal-entendidos sobre o que é a morte cerebral”, diz Sung.
Como parte do Projeto Mundial de Morte Cerebral, Sung e seus colegas convocaram médicos de sociedades profissionais de todo o mundo para formar um consenso sobre como identificar a morte cerebral. Este grupo, incluindo especialistas em cuidados intensivos, neurologia e neurocirurgia, revisou a pesquisa existente sobre morte encefálica (que era pequena) e usou sua experiência clínica para escrever as recomendações, publicadas em 3 de agosto no JAMA.
Além das principais orientações, o produto final incluiu 17 suplementos que abordam aspectos jurídicos e religiosos, fornecem checklists e fluxogramas e ainda traçam o histórico de avanços médicos relevantes. “Basicamente, nós escrevemos um livro”, diz Sung.
O requisito mínimo para determinar a morte encefálica é “um exame clínico bom e completo”, diz Sung. Antes mesmo de o exame ocorrer, os médicos devem verificar se uma pessoa sofreu uma lesão neurológica ou condição que pode causar morte cerebral. Em seguida, os médicos devem procurar outras explicações, condições que podem imitar a morte cerebral, mas são reversíveis. Resfriar o corpo, um procedimento para tratar ataques cardíacos, pode fazer com que a função cerebral desapareça temporariamente, aponta o relatório. O mesmo pode acontecer com certas drogas, álcool e outras toxinas.
Uma avaliação de morte encefálica deve incluir uma série de testes para respostas físicas que requerem um cérebro funcional: movimentos dos olhos, respostas de dor e respostas de engasgo, entre outros. Os médicos também devem verificar se uma pessoa tenta respirar de maneira independente, um processo de sustentação da vida que depende do tronco cerebral. Se nenhum desses sinais estiver presente, uma pessoa pode ser considerada com morte cerebral. Testes extras, como aqueles que procuram fluxo sanguíneo ou atividade elétrica no cérebro, podem fornecer informações úteis, mas sua interpretação nem sempre é direta, alertam os autores.
A identificação da morte encefálica em adultos deve incluir um único exame neurológico; as crianças devem receber dois, sugerem as diretrizes. “As crianças podem se recuperar de muitas coisas diferentes de forma diferente dos adultos”, diz Sung. “Queremos realmente ter certeza de que eles sofreram uma lesão devastadora.”
A clareza dos profissionais médicos sobre a morte encefálica está muito atrasada, diz o neurologista pediatra Paul Graham Fisher, da Universidade de Stanford. Mas isso é apenas o primeiro passo, diz ele. “O problema é que a parte não médica do mundo também precisa ser considerada.”
Forças culturais, religiosas e até legais complexas frustram uma definição simples e universalmente aceita de morte cerebral, diz Fisher. “Você ainda terá pessoas, em nível individual ou social, que podem não entender”, diz Fisher. Ele aponta para o caso de Jahi McMath, uma adolescente de Oakland, Califórnia, cujos pais se recusaram a aceitar que ela estava com morte cerebral após complicações de uma amigdalectomia de 2013. Ela permaneceu em ventilação e alimentação por tubo por quase cinco anos. Seu fígado falhou em 2018, de acordo com um comunicado do advogado de sua família.
Diferentes regiões, e até diferentes hospitais, têm suas próprias regras sobre como determinar a morte cerebral. New Jersey, por exemplo, permite que membros da família se oponham a uma determinação de morte encefálica com base em crenças religiosas ou morais. Uma pessoa pode ter morte cerebral na Pensilvânia, observa Fisher, “mas assim que você cruzar o rio Delaware, pode dizer: ‘Eu me oponho a isso’”.
Outros países também fazem as coisas de maneira diferente. Alguns incorporam varreduras cerebrais no processo de determinar se alguém está com morte cerebral, por exemplo. Conforme a pesquisa evolui, as diretrizes podem mudar. “Sempre podemos aprender mais”, diz Sung. “E se aprendermos mais, podemos ter que mudar nossas recomendações.” Mas, por enquanto, “este é o melhor que sabemos”.
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