Esse é o meu primeiro post no EQB, e dentre tantos temas que poderia explorar dentro da biologia, optei por estrear com o compartilhamento de um breve relato sobre a minha participação em um evento acadêmico recente na área da biologia: o XI Congresso Latinoamericano de Botânica e também 65 Congresso Nacional de Botânica, que ocorreu em Salvador, Bahia, no período de 19 a 24 de outubro deste ano. Abordo aqui algumas reflexões que me ocorreram durante a minha participação no evento, especificamente, no ciclo de palestras intitulado “os desafios no ensino de botânica”. Tratam-se de reflexões que considero pertinentes no contexto do ensino de biologia, seja no nível básico ou superior e que julgo importante que sejam acessíveis ao maior número de acadêmicos de biologia possível, principalmente aqueles que desejam se tornar professores!
Primeiramente, aproveitando esse meio como um espaço de visibilidade entre acadêmicos de biologia residentes em várias partes do país e pertencentes a diferentes períodos em suas universidades, deixo aqui meu incentivo para que, sempre que tiverem a oportunidade, participem de congressos e eventos acadêmicos durante o curso!
Esses são momentos de concentração de especialistas e pesquisadores renomados nas áreas postas em discussão, nos quais o estudante terá a oportunidade de acompanhar as pesquisas e novidades que estão sendo desenvolvidas, seja em abrangência local, como em eventos restritos a encontros regionais ou de nível nacional ou mesmo no contexto internacional, como no caso desse evento de abrangência latinoamericana. Muitas vezes, os trabalhos apresentados nesses eventos ainda estão em vias de condução para publicação e assim você terá a oportunidade de conhecer novidades ainda “quentes” na sua área de interesse!
Como bem observado pelo palestrante Minhoto (IFSP), “se as plantas não têm músculos e eu não posso levar uma planta para passear, se as plantas não são organismos interativos como os animais, então… tô fora!”. Que organismos sem graça! Mas a esmagadora justificativa para a antipatia pela botânica – consiste na notória variedade de termos específicos para designar suas estruturas e processos fisiológicos. Dessa forma, a botânica é vista como uma ciência extremamente complexa e de difícil assimilação para a aprendizagem. Soma-se isso ao déficit na formação de professores durante a educação superior, na qual as disciplinas referentes à botânica são fragmentadas e desvinculadas do contexto local (exemplo: anatomia vegetal é vista, na maioria das universidades brasileiras, como uma disciplina separada da fisiologia vegetal e muitas vezes, não há disciplinas dedicadas ao estudo de uma diversidade mais específica da flora, como a flora regional, por exemplo, o que dificulta uma visão integrativa, acurada e realista da botânica), e dessa maneira culminamos em uma receita de bolo para que essa ciência seja deixada em segundo plano e pobremente trabalhada no contexto da educação básica por esses professores.
Uma evidência direta sobre isso consiste no fato de que muitos docentes optam por iniciar o ano letivo abordando temas relativos à diversidade zoológica e apenas no último semestre (nos últimos segundos do segundo tempo), estuda-se o Reino Plantae. Mas se levarmos em consideração que somos um país megadiverso, que encantou e ainda encanta inúmeros naturalistas do mundo inteiro pela diversidade de nossa fauna e flora, por que o estudo de um de nossos maiores patrimônios biológicos não é atrativo para os estudantes?
Um dos motivos indicados durante o ciclo de palestras aponta o alto patamar da educação: a maneira como estão sendo formados professores nos cursos de nível superior de ciências biológicas pelo Brasil. Isso significa que o problema tem início de cima para baixo! Professores com lacunas em sua formação resultam em uma pobre atuação na rede básica. E quais seriam as lacunas na formação desses professores? O aspecto chave para a compreensão dessas lacunas trata-se da nossa estrutura (ou literalmente “grade”) curricular. Carecemos de uma abordagem integrativa na botânica, onde os conhecimentos sobre morfologia, fisiologia e evolução não sejam vistos como aspectos fragmentados e independentes. Agravando a situação, tais disciplinas são vistas em períodos distintos e muitas vezes com grande espaçamento de tempo entre si, o que dificulta para o próprio aluno associar e articular conceitos, em uma perspectiva ampla. Não o bastante, não dispomos de um currículo que favoreça o conhecimento da realidade da nossa própria biodiversidade e a compreensão do seu potencial. O que é uma enorme contradição, primeiro porque habitamos um dos países mais ricos em termos de flora do planeta e segundo, porque contamos com um valioso instrumento de apoio chamado “sabedoria popular”.
Precisamos de espaços onde professores possam discutir, planejar e por em prática estratégias diferentes e inovadoras no ensino, bem como ter o devido feedback dessas experiências. Precisamos nos dissociar de um termo que tive oportunidade de ouvir pela primeira vez durante esse ciclo de palestras: a “cegueira botânica”, cunhado por Wandersee & Schussler (2001) e que traduz bem como lidamos com o ensino de botânica no país. É necessário que nesses espaços possam ser mobilizadas ações que sejam levadas a representantes e órgãos superiores que possam modificar, ainda que toda mudança seja lenta, os currículos da biologia no país no que tange a botânica, visando a construção de um conhecimento integrado, crítico e próximo das realidades locais. O caminho é longo! Mas o primeiro passo, já é possível, se estivermos dispostos a despertar nossa própria consciência para os desafios que se fazem presentes no nosso contexto.
Referências:
AUSUBEL, D.P. 1982. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes.
WANDERSEE, J.H.; SCHUSSLER, E.E. 2001. Towards a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin, v. 47, n. 1.