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Cães: como eles sabem o que você está sentindo

Quando nós ouvimos a voz de um amigo, imediatamente o imaginamos, caso não possamos vê-lo. Pelo tom de sua voz, também podemos perceber prontamente se ele está feliz ou triste. Isso ocorre porque o cérebro humano possui uma região responsável pelo processamento da informação vocal, também conhecida como “área da voz”. Recentemente, cientistas utilizaram scanners cerebrais em um grupo de cães e descobriram que os cérebros desses animais também possuem áreas da voz. Essa descoberta elucida como os cães possuem precisão em perceber o estado emocional de seus próprios donos.

O estudo

Pascal Belin, neurocientista da Universidade de Glasgow, Reino Unido, compôs parte da equipe que identificou as áreas da voz em cérebros humanos em 2000, através de um estudo em que utilizaram uma técnica não invasiva de processamento cerebral em primatas não humanos. Segundo a pesquisadora, isso permitiu extrapolar a técnica para o uso em cães mediante o treinamento desses animais para o posicionamento adequado no scanner.
Estudos prévios já haviam demonstrado que os humanos podem distinguir bem entre latidos que manifestam tristeza ou alegria por parte de seus cachorros e sugerido que cães e humanos possuem uma similar “sensibilidade social” – “ficaríamos admirados se os cães também forem capazes de obter algum outro tipo de informação social das vozes humanas”, afirma Attila Andics, neurocientista em um grupo de pesquisa da Universidade de Budapeste e autor deste estudo.

O experimento

Para investigar a respeito, Andics e seus colaboradores decidiram escanear o cérebro canino para verificar como ele é capaz de processar diferentes tipos de sons, incluindo vozes, latidos e ruídos ambientais. Em humanos, a área da voz é ativada quando nós ouvimos outros humanos falando, nos permitindo reconhecer a identidade do falante e obter algum tipo de informação sobre seu teor emocional. Dessa forma, se os cães também possuem áreas da voz, isso evidencia que essas habilidades não estão restritas a humanos ou outros primatas. 
A equipe treinou 11 cachorros para que se posicionassem imóveis diante de um equipamento de ressonância magnética para scanner cerebral. O scanner então captou imagens da atividade cerebral dos cães enquanto eles ouviam cerca de 200 sons de humanos e cachorros, desde gritos e latidos a risos e choros. Os cientistas também escanearam o cérebro de 22 humanos expostos aos mesmos sons.

As descobertas

As imagens revelaram que cães possuem áreas da voz no cérebro capazes de processar a informação vocal da mesma forma que  cérebros humanos, de acordo com o estudo publicado neste ano na revista Current Biology. E, devido a essas vozes serem processadas em regiões similares no cérebro de cães e humanos, os cientistas sugerem que elas evoluíram de forma similar há cerca de 100 milhões de anos atrás, quando humanos e cães compartilharam um ancestral comum. Alguns pesquisadores especulam ainda que tais áreas cerebrais responsáveis pelo processamento da voz também podem vir a serem descobertas em outras espécies. 
Quando as áreas responsáveis pelo processamento da voz foram descobertas inicialmente em humanos, os cientistas acreditavam que elas eram especiais e especificamente destinadas para a evolução da linguagem. “Se isso for verdade, então por que elas estão presentes em cérebros de cães?” questiona-se Andics. De acordo com o pesquisador, as similaridades na forma em como cães e humanos processam o conteúdo emocional dos sons “explicam por que a comunicação entre as duas espécies ocorre com tanto sucesso”. 

Diferenças 

Contudo, também existem diferenças. Os pesquisadores também descobriram que em cães, 48% das regiões cerebrais relacionadas à audição respondem mais fortemente a informações ambientais, como barulho de carros, por exemplo, do que a vozes. Já em humanos, em contraste, somente 3% das regiões cerebrais sensíveis ao som respondem melhor a sons não vocais, revelando o quão o córtex auditivo humano é fortemente adaptado aos sons vocais. “Em cachorros, isso é mais heterogêneo”, pondera Andics.
Perspectivas
Os pesquisadores agora se encontram intrigados em explorar mais sobre como cães e humanos processam a informação emocional das vozes. Já foi possível confirmar através de estudo o que qualquer dono de um cachorro pode atestar: “os cães demonstram maior sensibilidade a um tom de voz”, segundo John Marzluff, biólogo da Universidade de Washington, Seattle. O mais interessante – Marzluff acrescenta – “é que esse estudo contesta nossa concepção de que o nosso cérebro é produto de um passado evolutivo distante.
Fonte:
ANDICS, A.; GÁCSI, M.; FARAGÓ, T.; KIS, A.; MIKLÓSI, Á. 2014. Voice-Sensitive Regions in the Dog and Human Brain Are Revealed by Comparative fMRI. Current Biology v. 24: 574-578.
How dogs know what you’re feeling. Science Magazine. Disponível em: http://news.sciencemag.org/
Acesso em 08 de novembro de 2014.
Khadija Jobim
Khadija Jobim
Técnica em Controle Ambiental, bióloga e atual mestranda em Sistemática e Evolução (UFRN). Tem interesse em Taxonomia, Ecologia e Evolução de Microorganismos.
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