Nós sabemos que os animais possuem as mais variadas adaptações e isso varia de acordo com os ambientes que eles vivem. Devemos sempre lembrar: não é o mais forte que sobrevive. Quem sobrevive é sempre o indivíduo que melhor está adaptado ao ambiente – o que possui uma série de características fenotípicas e genéticas que propiciam a sobrevivência e o sucesso reprodutivo. Para mais detalhes sobre seleção natural e evolução, veja os posts:
Os animais que vivem no frio possuem diversas adaptações muito interessantes. Os climas que propiciam períodos de frio prolongado e intenso promovem nos animais três tipos de respostas: (1) os animais podem se esquivar do frio, podendo simplesmente se deslocar para outras regiões à medida que a temperatura diminui, indo em direção às regiões mais quentes; (2) podem estar adaptados de tal forma que toleram o frio ou (3) podem viver ativamente e se reproduzir em períodos mais quentes e no inverno iniciam o período de repouso e inatividade, conhecido como hibernação.
Pequeno mamífero hibernando.
Veja o post: Porque alguns organismos congelam mas não morrem?
POIQUILOTÉRMICOS EM AMBIENTES FRIOS
Em diversos experimentos, quando organismos invertebrados e vertebrados poiquilotérmicos foram resfriados, foi possível observar alterações fisiológicas que os possibilitaram funcionarem mais eficazmente em temperaturas mais baixas. Esse processo se chama aclimatação, e, quando ocorre em ambiente natural, se chama aclimatização. Conforme cai a temperatura, o animal eventualmente enfrenta um grande problema: evitar o congelamento. Eles podem fazer isso através de dois modos. O primeiro é a capacidade de diminuir o ponto de congelamento dos fluídos corporais através da adição de soluto nesses fluídos (no sangue, hemolinfa, etc). O segundo modo é a capacidade de superesfriar.
Sapo-da-madeira hibernando.
Diminuindo o ponto de congelamento dos fluídos corporais
Essa característica é muito evidenciada em insetos. Muitos insetos baixam o ponto de congelamento de seus fluídos através da secreção de uma substância muito importante – glicerol. Um exemplo muito conhecido no reino animal é um parasita (Bracon cephi) da mosca-do-trigo encontrada no Canadá. As larvas do parasita podem sobreviver a uma temperatura muito baixa de até -40º C. Isso ocorre pelo fato das concentrações do glicerol aumentarem na hemolinfa (“sangue” dos insetos) à medida que a temperatura é reduzida. A concentração de hemolinfa pode chegar a 5M, e nesse ponto o ponto de congelamento baixa para -17,5 ºC. O uso do glicerol utilizado pelos insetos como “anticongelativo” pode ser um precursor utilizado por nós, por exemplo, em sistemas de refrigeração dos carros durante o inverno.
Além de diminuir o ponto de congelamento dos fluídos corporais, o glicerol tende ainda a proteger os tecidos dos efeitos lesivos do congelamento, caso de fato o organismo chegue a congelar. Essa proteção se dá pela viscosidade do glicerol, impedindo que o aumento na concentração dos eletrólitos resultante da formação de gelo, atinja facilmente níveis tóxicos.
Superesfriamento
O superesfriamento ocorre sob condições extremamente favoráveis, onde a água comum pode ser progressivamente esfriada até -41ºC, antes de serem formados cristais de gelo. As moléculas da água tendem a se tornarem cada vez mais semelhantes ao gelo conforme a temperatura diminui abaixo de 0º C: as moléculas individuais movem-se cada vez mais perto e mais lentamente. Posteriormente, forma-se um núcleo de cristal de gelo, e esse por sua vez tende a crescer até que todas moléculas de água congelem. Por outro lado, o gelo também pode formar nos organismos através de uma ‘semente’, uma substância estranha que congela mais rápido que os líquidos do organismo.
Superesfriamento em peixes
Os peixes não hibernam – eles não podem fugir do frio intenso, continuando ativos mesmo quando estão superesfriados. O ponto de congelamento de alguns peixes das regiões mais frias do planeta situa-se entorno de -0,9 a -1,0º C. Porém, caso a água esteja numa temperatura menor que -3º C, o peixe pode se congelar, ou ainda, pode tocar em alguns cristais de gelo e congelar imediatamente. Porém, o superesfriamento não explica a capacidade de alguns peixes ósseos nadarem abaixo de placas gigantes de gelos – em lagos congelados, por exemplo – alguns outros fatores estão envolvidos. Por exemplo, em alguns peixes foi possível observar que de acordo com a diminuição da temperatura da água ocorria o aumento da osmolaridade do plasma sanguíneo. O ponto de congelamento do plasma desses peixes é muito próximo ao ponto do congelamento da água onde eles estão, isso também dificulta a morte desses animais por congelamento. O plasma tende a aumentar a sua osmolaridade à medida que o cloreto é adicionado no sangue, e o mais interessante é que nos peixes não foi encontrado nenhum tipo de glicerol, como é encontrado nos insetos.
Serpentes em estado de dormência numa caverna.
Dormência em Poiquilotérmicos
Muitos organismos poiquilotérmicos passam o inverno em estado de dormência com a taxa metabólica reduzida e com a temperatura corporal muito próxima à do ambiente. Esse estado não pode ser comparado à hibernação por dois grandes motivos: em primeiro, porque o despertar não é possível até que o animal esteja aquecido ‘passivamente’, ou seja, pelo próprio calor do ambiente, e, segundo, porque não existem “mecanismos de segurança” como veremos logo abaixo nos mamíferos hibernantes, que aumentam o seu metabolismo de acordo com a redução da temperatura ambiente ou acordam se a temperatura corporal se aproximar de seu ponto de congelamento. Nessas condições, os poiquilotérmicos congelam.
HOMEOTÉRMICOS NÃO-HIBERNANTES
Os homeotérmicos mantem-se ativos no inverno, ou, pelo menos em determinados períodos, por conta da capacidade que possuem em reter o calor corporal através de seus isolantes térmicos naturais. Porém, é muito importante salientar que embora a temperatura interna seja mantida, a temperatura das extremidades, como pés, dedos, orelhas, são muito menores. O organismo também apresenta algumas adaptações notáveis em função dessas diferenças de temperaturas corpóreas, como por exemplo, os nervos – eles são mais resistentes ao frio nas extremidades do corpo e menos resistente no interior.
Em certas gaivotas aclimatadas (em condições ideais em laboratório) o nervo tibial, que vai da medula espinhal até os músculos das patas, apresenta diferenças na capacidade de conduzir impulsos nervosos que varia em diferentes locais do corpo quando no inverno. Por exemplo, a temperaturas de 11,7º C, o nervo é bloqueado, sendo que este é mantido numa região relativamente quente encoberto pelas penas, enquanto que o nervo na parte nua inferior da cauda para de conduzir impulsos numa temperatura de 2,8º C. Logo, uma única célula nervosa apresenta diferentes sensibilidades à temperatura.
Raposa-do-ártico (não-hibernante)
Maior espécie de gaivota do ártico (não-hibernante).
Outros fatores isolantes podem ocorrer nos animais homeotérmicos de regiões frias, como por exemplo a gordura nos tecidos expostos ao frio. A gordura da parte distal da pata de animais árticos, como o caribou, apresenta um ponto de fusão de 30º C mais baixo que a gordura do interior de seu corpo, enquanto a gordura dos cascos funde-se a 0º C ou menos, permitindo que os mesmos permaneçam flexíveis e maleáveis nessas temperaturas.
Os mamíferos podem diminuir a perda de calor pela superfície corporal através da camada de gordura subcutânea e também através dos pelos, que captam grande quantidade de ar. Em fisiologia, chamamos de L a camada que atua como isolante térmico nos animais. Nesse caso, quanto maior o L, ou seja, a camada de gordura e a camada de pelos, mais isolado o animal tende a ser. A camada de pelos é importante porque ela proporciona a retenção de ar e, nesse caso, o ar tende a ficar mais aquecido entre os pelos do que o ar do ambiente, funcionando também como uma importante barreira isolante, dificultando ainda mais a perda de calor nesses animais. É por isso que os povos nativos dessas regiões usam as peles dos grandes mamíferos.
Um nome mais apropriado para a camada L é a unidade “clo”, que vem da semelhança do isolamento térmico dos animais com o vestuário humano – quanto maior a quantidade de roupas, mais isolados ficamos, do mesmo modo, quanto maior a quantidade de gordura e pelos nos animais, mais isolados eles ficam. No caso, a raposa branca do ártico é um dos animais que possuem o maior isolamento térmico do reino animal utilizando essa unidade clo. A raposa branca tem um isolamento de aproximadamente 9 unidades clo enquanto que um musaranho ou doninha possuem de 1 a 2 unidades clo de isolamento.
É importante salientar que existe um tipo especial de gordura em mamíferos, muito mais comum nas espécies que enfrentam períodos de inverno rigorosos – a gordura marrom. Todos nós, quando bebês, até determinada idade possuímos gordura marrom. Essa gordura atua como um ‘combustível’ para produção de calor corporal. À medida que crescemos, a gordura marrom some. Porém, em mamíferos de regiões frias essa gordura é constantemente produzida e pouco antes da hibernação ela é produzida ainda mais, garantindo uma fonte extra de produção de calor corporal.
Figura ilustrando a disposição da gordura marrom em um bebê.
Alguns pesquisadores conseguiram transformar, em ratos, a gordura branca (gordura ruim, que fixa no organismo e não é facilmente consumida) em gordura marrom (que é facilmente consumida por ter função principal de gerar calor corporal). Eles querem fazer as pessoas emagrecerem ser realizar atividades físicas, convertendo a “gordura ruim” em “gordura boa” – veja detalhes no post Uma nova forma de queimar calorias.
Endotérmicos: Respostas Metabólicas ao Frio
Nos animais árticos, quando o isolamento é muito eficiente, não há necessidade da temperatura corporal aumentar – só aumenta quando a temperatura ambiental cai a níveis muito baixos. Ou seja, a temperatura corporal dos animais de regiões frias tende sempre a ficar próxima da temperatura corporal basal, que é aquela em que o organismo não sofre danos por ação do frio e ainda consegue reter certa quantidade de calor necessário para a realização das atividades metabólicas. Por isso, só quando a temperatura ambiental diminui ainda mais e ultrapassa a tolerância do animal, a produção de calor endógena inicia, elevando a temperatura corpórea, suprindo a perda de calor.
Por exemplo, a raposa-do-ártico que vive em locais com temperatura de até -40º C, necessita de apenas um pequeno aumento na taxa metabólica para sobreviver nas condições mais frígidas da terra. Por esta razão, elas podem dormir na neve, no relento, em uma temperatura de -80º C sem ter qualquer diminuição da temperatura corporal.
HIBERNAÇÃO EM MAMÍFEROS
A hibernação pode ser definida como um fenômeno periódico, no qual a temperatura corporal cai a um nível baixo, aproximando-se da temperatura ambiente. Nesse caso, a frequência cardíaca, a taxa metabólica e diversas outras funções fisiológicas são reduzidas a níveis mínimos. Ainda na hibernação, o despertar espontâneo pode ocorrer à qualquer momento. As ordens de mamíferos que mais praticam a hibernação são: Rodentia, Insectivora e Chiroptera.
Essa é uma importante adaptação que possibilita aos animais suportarem períodos de stress ambiental, que envolve principalmente a falta de alimento. No verão, os hibernantes são homeotermos, ou seja, a sua temperatura corporal independe da temperatura ambiental. Porém, no inverno, estes se tornam virtualmente poiquilotérmicos. Sabe porque? Simples! A perda de calor é tão constante e rápida que o organismo teria de produzir muito calor corporal em um curto período de tempo. Só que isso é impossível devido à várias limitações fisiológicas dos homeotermos – a quantidade de calor produzida leva certo tempo e depende da quantidade de energia que o organismo possui e da velocidade das reações metabólicas (que tende a diminuir quanto maior é a perda de calor pela redução da temperatura ambiental). Ou seja, ao invés de “lutar” contra a perda de calor corporal e gastar muita energia “á toa”, o organismo tem a hibernação como uma importante adaptação que garante a sua sobrevivência – a sua temperatura corporal reduz tanto que se aproxima da temperatura ambiental e as atividades metabólicas baixas são mantidas através de toda energia armazenada em forma de gordura obtida pouco antes do período de inverno chegar.
Urso-negro hibernando.
Durante a hibernação a frequência cardíaca pode reduzir a 5-6 batimentos por segundo, mas, algumas outras adaptações importantes garantem que o sangue não coagule ou congele e circule ainda por todo o corpo. Dentre essas adaptações importantes, podemos destacar a vasoconstrição, que é uma contração dos vasos, aumentando a distância deles da superfície corporal, reduzindo a perda de calor. Essa contração cria uma grande pressão nos vasos e, associada com a maior viscosidade do sangue, permite a circulação total em todo o organismo. A frequência respiratória pode reduzir a uma respiração por minuto e as funções renais diminuem bastante. Muitas glândulas, como a tireóide, adrenais, pituitária e gônodas diminuem ou até param suas atividades.
Entrada em Hibernação: Existem dois modos de entrar em hibernação: algumas espécies podem entrar em hibernação gradualmente, ao longo de vários dias, como o esquilo terrestre (Citellus beecheyi). Ao longo das noites a temperatura tende a cair várias vezes, até que em determinado momento a temperatura cai num estado que não é mais reversível, e então, o animal entra em hibernação. Uma outra forma é a conhecida hibernação única, como vemos em ursos, anuros, morcegos, e outras espécies, onde após determinados dias o animal se locomove para um local seguro e isolado do frio, e, inicia a hibernação que pode se estender por todo o inverno.
Os mecanismos que desencadeiam a hibernação ainda não são muito conhecidos. Porém, há três fatores principais que são considerados pelos cientistas como responsáveis por desencadear a hibernação: (1) a temperatura ambiente e suas variações, (2) o ciclo de luz e (3) a quantidade de comida armazenada no corpo.
Algumas equidinas e diversas espécies de mamíferos também
podem hibernar nas regiões tropicais.
Despertando da Hibernação: Ao contrário do que muitos pensam, muitas espécies podem sair de seus abrigos várias vezes ao longo da hibernação. Alguns animais tendem a comer um pouco de comida que guardaram em suas tocas, outros tendem a fazer outras atividades. Quando a temperatura ambiente faz com que a temperatura corporal se aproxime da temperatura corporal basal, o organismo pode também acordar da hibernação.
Uma série de fatores contribuem com o despertar da hibernação: o aumento da respiração, o aumento súbito na produção de calor corporal, o aumento da atividade cardíaca e a redução das reservas de gordura marrom. Geralmente o despertar definitivo está associado com as grandes mudanças que ocorreram gradualmente no ambiente, como por exemplo o aumento gradual da temperatura ambiental que ao mesmo tempo propicia a redução de perda de calor corporal. Quando iniciado o despertar, mudanças começam a acontecer: o calor produzido é distribuído em turnos para determinados órgãos. O coração, pulmão e cérebro e outras estruturas na cabeça e tórax são aquecidos antes do abdome e extremidades. Essa coordenação na circulação ocorre através das fibras responsáveis pela vasoconstrição dos vasos sanguíneos. No início do despertar pode haver diferenças de até 20º C entre o tórax e o abdome.
Torpor Diário
Além da hibernação sazonal, certas espécies apresentam um ciclo diário de intensa atividade seguido de um profundo torpor. Esse comportamento parece ser característico de aves e pequenos mamíferos que possuem taxas metabólicas muito elevadas. Essa situação é parcialmente crítica em pequenos morcegos insetívoros (Microchiroptera) e nós beija-flores (Apodiformes), os quais, devido aos seus hábitos aéreos, não podem carregar grandes provisões de energia e são ainda limitados por seus hábitos alimentares (beija-flores, de dia, e morcegos insetívoros, de noite).