Um grupo de pesquisadores paleontólogos de Berlim, do Museu de História Natural de Berlim, incluindo uma pesquisadora brasileira, conseguiu medir o alcance auditivo de um dinossauro, através de tomografia computadorizada onde a anatomia do ouvido interno do fóssil de um dinossauro de 150 milhões de anos foi analisada e também algumas características de seus movimentos foram observadas.
De acordo com os estudos, a espécie estudada era um disalotossauro, herbívoro bípede e pequeno, que ouvia sons de baixa frequência semelhante ao som que as aves primitivas ouviam e os jacarés conseguem escutar, e com esta audição, os disalotossauro não poderiam nem captar a maioria dos sons de uma conversa entre pessoas.
Os pesquisadores puderam observar que os sentidos desse animal era muito apurado, para que pudesse perceber a aproximação de predadores terópodes (bípedes, cursoriais e carnívoros em maioria) como o ágil elafrossauro que era pouco maior que o disalotossauro, e o gigante alossauro, um carnívoro semelhante ao T. rex.
Pastando em rebanhos, os disalotossauros prestavam atenção ao seu ambiente com o focinho ligeiramente apontado para cima. O trabalho também sugere que os movimentos de virar a cabeça para esquerda e para direita deviam ser importantes para a sobrevivência do animal. “Não falamos apenas de ossos no nosso trabalho; fomos capazes de contar algo sobre a vida do animal”, diz o paleontólogo Johannes Müller, que supervisionou a minuciosa descrição do crânio fóssil, publicada em setembro na revista Journal of Vertebrate Paleontology. “É como se o disalotossauro estivesse passeando em nosso quintal.”
Desde 2010, Müller orienta a brasileira Gabriela Sobral em sua tese de doutorado, financiada por um convênio entre a Capes e o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Daad). Eles pesquisam a evolução do ouvido dos arcossauros, grupo de animais que engloba boa parte dos extintos dinossauros e os pterossauros e as atuais aves e crocodilos. O ouvido dos crocodilianos é semelhante ao das aves, que são, na verdade, os descendentes do único grupo de dinossauros que sobreviveu, os terópodes. Os pesquisadores ainda debatem muito sobre quais dessas características do ouvido de aves e crocodilos foram herdadas de um ancestral comum e quais delas são produto de histórias evolutivas independentes, que chegaram a resultados parecidos. Desvendar a evolução do ouvido interno dos dinossauros pode ajudar a esclarecer essas questões. As conclusões preliminares de Müller e Gabriela, no entanto, apontam para uma história mais complexa do que se imaginava.
Até começar suas pesquisas na Alemanha, Gabriela havia realizado no Brasil apenas estudos teóricos sobre evolução. “Queria aprender mais sobre anatomia e precisava de experiência prática”, ela lembra. Sua necessidade coincidiu com a compra pelo Museu de História Natural de Berlim do Nanotom, um equipamento cujo princípio de funcionamento é o mesmo dos tomógrafos usados em medicina. A máquina emite raios X que atravessam um objeto em várias direções e são, em seguida, detectados por sensores. Os dados obtidos são processados por um computador para criar um modelo tridimensional da estrutura interna do objeto. “É uma técnica avançada, para estudar partes anatômicas indisponíveis para observação a olho nu”, explica o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Enquanto a resolução de um tomógrafo médico é da ordem de centenas de micrômetros (milésimos de milímetro), a do Nanotom chega a cinco micrômetros. “Nossa máquina serve para examinar objetos pequenos, do tamanho de um punho, até coisas minúsculas, como a genitália de um inseto”, diz Gabriela.
Crânio redescoberto
Buscando algum material interessante para examinar com o Nanotom, Gabriela achou, meio que esquecido na coleção do museu, o crânio de um dinossauro do grupo dos ornitísquios (apesar do nome, o grupo não deu origem às aves). Os ossos do exemplar da espécie Dysalotosaurus lettowvorbecki estavam desarticulados, mas bem preservados. O crânio faz parte do pouco que restou da pilha de fósseis de disalotossauro que o museu de Berlim perdera durante a Segunda Guerra Mundial. Esses fósseis haviam sido desenterrados junto com mais de 200 mil quilos de ossos entre 1909 e 1913, durante as expedições de paleontólogos do museu ao leito da montanha de Tendaguru, na Tanzânia. É lá que foram descobertos dinossauros famosos, como o pescoçudo saurópode braquiossauro e o espinhoso Ornitísquio kentrossauro, que conviveram com o disalotossauro no período Jurássico Superior, entre 140 e 160 milhões de anos atrás.
CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR |
Outros pesquisadores, um em 1955 e outro em 1989, já haviam descrito o crânio de D. lettowvorbecki a partir dos fósseis restantes e de desenhos e fotografias do material perdido. Eles, porém, não tinham como examinar as cavidades internas das paredes do crânio, preenchidas com sedimento petrificado, sem danificá-las.
Quando escaneou as peças do crânio com os raios X na potência certa para distinguir o sedimento do osso, Gabriela confirmou que as cavidades milimétricas do ouvido interno estavam intactas, tanto dentro da parede lateral do crânio quanto no interior do teto da caixa craniana.
Junto com Müller e outra pesquisadora do museu, a norte-americana Christy Hipsley, Gabriela comparou o ouvido interno do disalotossauro com o de espécies extintas e atuais. Eles deram atenção especial à cavidade que abriga a parte do ouvido onde ficavam as células que discriminavam os sons, a chamada cóclea.
A cóclea humana, como a de todos os mamíferos, é enrolada em forma de caracol. Mas nos demais vertebrados seu tecido se estende em linha reta pelo canal ósseo. Em 2009, um estudo conduzido pelo paleontólogo Stig Walsh, do Museu de História Natural de Londres, comparou diversas espécies de répteis e aves vivas, mostrando que é possível deduzir as frequências sonoras que os animais conseguem escutar a partir do tamanho da base do crânio e do comprimento do canal da cóclea. “Quanto mais longa é a cóclea, melhor o animal consegue discriminar entre sons de alta e baixa frequência”, explica Gabriela.
Considerada curta, a cóclea de quase 10 milímetros do disalotossauro permitia distinguir uma faixa relativamente estreita de sons, com frequências entre 350 e 3.850 Hertz (Hz), ou seja, sons nem muito graves, nem muito agudos. Essa capacidade auditiva é semelhante à das espécies de crocodilos que melhor escutam, como a jacaretinga, e das espécies de aves atuais mais próximas dos dinossauros, como a garça e o avestruz.
A conclusão está de acordo com a de outros estudos que sugerem que os dinossauros em geral não escutavam sons muito agudos. Em 2007, pesquisadores inferiram pelo peso dos animais que o braquiossauro e o alossauro escutavam melhor na faixa entre 100 e 1.000 Hz. “Mas a estimativa do peso dos animais é bastante controversa em paleobiologia”, Gabriela ressalta.
Canais de equilíbrio
Outra região do ouvido que chamou a atenção dos paleontólogos foi a das cavidades dos chamados canais semicirculares. Presentes de uma forma ou de outra em todos os vertebrados, esses três canais são a parte do ouvido responsável por garantir que os animais mantenham seu equilíbrio quando se mexem. Os três canais são aproximadamente perpendiculares entre si (ver a figura na página 40). O deslocamento de fluidos dentro de cada um deles informa ao cérebro sobre o movimento do corpo nas três dimensões do espaço. O tamanho dos canais indica a sensibilidade do animal aos movimentos em um plano específico.
O disalotossauro tinha seu canal semicircular lateral ligeiramente maior que os outros dois. A descoberta foi uma surpresa, porque nos dinossauros estudados até agora – alguns terópodes e um ornitísquio – o maior dos canais semicirculares é o mesmo das aves, o anterior.
Veja mais sobre este incrível dinossauro: Clique aqui